"Escolheu doze entre eles..." (Lucas 6:13)
Tudo começou
quando Jesus chamou alguns homens para que o seguissem. Isto revelou de
imediato sua estratégia evangelística: sua preocupação não era com programas
para atingir multidões, e sim com homens a quem as multidões seguiriam. Jesus
começou a reunir estes homens antes que houvesse qualquer campanha
evangelística, ou mesmo antes de fazer qualquer sermão público. Desde o início
Jesus deixou claro que homens seriam Seu método para conquistar o mundo para
Deus.
O objetivo inicial do Senhor era alistar homens que pudessem dar testemunho acerca de Sua vida, dando seguimento ao trabalho que Ele iniciou – a implantação do Reino de Deus. João e André foram os primeiros chamados, que tiveram de abandonar o grande avivamento que estava acontecendo em Betânia, do outro lado do rio Jordão, sob a liderança de João Batista (João 1:35-40). Em seguida André trouxe Simão, seu irmão (João 1:41,42). No dia seguinte Jesus encontrou Filipe, a caminho da Galiléia e imediatamente Filipe anunciou este encontro a Natanel (João 1:43-51). Não houve pressa na seleção, mas sim determinação! Meses mais tarde outros pescadores foram chamados para participar do grupo (Marcos 1:19; Mateus 4:21). Pouco depois Mateus foi convidado a seguir o Mestre, quando o Senhor passava por Cafarnaum (Marcos 2:13,14; Mateus 9:9; Lucas 5:27,28). Todos foram chamados ainda no primeiro ano do ministério do Senhor.
De inicio não foram muitos os convertidos, porém aqueles poucos primeiros convertidos ao Senhor estavam destinados a se tornarem os líderes de Sua igreja, que iria anunciar o evangelho no mundo inteiro. Pensando assim, os poucos se tornaram em muitos!
Homens dispostos a aprender
O que mais chama a atenção nestes
apóstolos de inicio era que não havia nada neles que impressionasse como se
fossem homens de sucesso. Poderíamos mesmo perguntar como é que Jesus poderia
vir a usá-los. Eram homens comuns, sem treinamento profissional, sem grandes
posses, rudes e sem conhecimento para a sua vocação. Tal como no caso do
próprio Mestre, sua educação formal consistia somente das escolas das
sinagogas. A maioria havia se criado na região pobre em torno da Galiléia, com exceção
de Judas Iscariotes que viera da Judéia. Eram homens impulsivos, temperamentais,
que se ofendiam facilmente, com os preconceitos próprios de judeus, iletrados e
incultos (Atos 4:13). Enfim, não eram o tipo de grupo que alguém esperaria que
conquistasse o mundo para Cristo.
No entanto Jesus viu naqueles homens simples líderes em potencial para o Seu Reino. Apesar de pouco estudo, eram homens que podiam ser ensinados. Embora lentos para compreender as realidades espirituais e com julgamentos frequentemente errados, eram homens honestos, prontos a confessar a sua própria necessidade.
Embora rudes, eram homens de grande coração. O que talvez seja mais significativo a respeito deles era o seu sincero anelo por Deus e pelas realidades da vida de Deus. A superficialidade da vida religiosa ao redor não frustrou as esperanças deles na vinda do Messias (João 1:41,45,49; 6:69). Estavam saturados da hipocrisia da classe social dominante. Alguns deles já tinham se unido ao movimento renovador de João Batista (João 1:35). Aqueles homens estavam esperando por alguém que os guiasse pelo caminho da salvação. Tudo isto mostra que Jesus pode usar quem quer que queira ser usado.
Concentrou-se em alguns poucos
O fato de Jesus se dedicar a
poucos é onde reside a sabedoria de Seu método. Ninguém pode transformar o
mundo, a menos que os indivíduos que o compõem sejam transformados; e ninguém
pode ser transformado senão quando moldado nas mãos do Mestre. Não somente
deve-se escolher poucos leigos, mas conservar o grupo pequeno para que se possa
trabalhar em suas vidas. Entretanto o número dos discípulos de Jesus começou a
aumentar ao longo do Seu ministério. Desta maneira Ele estreitou Suas relações
a uns doze discípulos, o qual Ele denominou de apóstolos (Lucas 6:13-17; Marcos
3:13-19). Independente do significado do número doze (existem aqueles que
defendem que este número representa a presença de Deus na família humana – a penetração
no mundo por parte da divindade – veja que são doze patriarcas, doze
fundamentos e doze portas da Jerusalém celestial, etc.), Jesus desejava que
estes tivessem privilégios e responsabilidades diferentes dos demais discípulos
no trabalho do Seu Reino.
Apesar de Jesus ter escolhido doze apóstolos, isto não excluía a possibilidade de outros segui-lo. Sabemos que muitos outros se tornaram obreiros eficazes na Igreja, tal como Tiago (o irmão de Jesus), Lucas e Marcos (que escreveram os evangelhos) – veja 1 Coríntios 15:7; Gálatas 2:9,12; João 2:12; 7:2-10). Entretanto era fato que estes tiveram menos intimidade com o Senhor. E mesmo no meio dos doze, haviam apenas três que desfrutavam de uma intimidade maior com o Mestre – Pedro, Tiago e João. Somente estes estiveram no Monte da Transfiguração e contemplaram a glória do Senhor (Marcos 9:2; Mateus 17:1; Lucas 9:28), no jardim do Getsêmani no momento de dor e oração do Mestre (Marcos 14:33; Mateus 26:37) e na cena da ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5:37; Lucas 8:51). Apesar da escolha destes três, não se tem notícia de que os outros apóstolos tenham murmurado com isto. Jesus tem o direito de escolher quem Ele quer e somente o fato de ser chamado para a obra de Deus já é em si mesmo um motivo de honra. Ninguém deve desanimar somente porque vê o outro sendo mais abençoado! Devemos nos alegrar com a bênção do próximo (Romanos 12:15).
O princípio observado
Quando há uma uniformidade no grupo e
quando este for pequeno e concentrado, maior será a oportunidade de uma
instrução eficaz. Jesus dedicou a maior parte da Sua vida àqueles poucos
discípulos. Arriscou neles todo o Seu ministério! O mundo poderia estar
indiferente com relação a Jesus, mas isto não podia derrotar Sua estratégia.
Nem mesmo Jesus ficou preocupado quando alguns de seus seguidores desistiram de
Sua lealdade a Ele quando foram confrontados com as verdades do Reino (João
6:66). Porém o Senhor não podia tolerar que os Seus discípulos íntimos
perdessem de vista o Seu propósito. Eles tinham que compreender a verdade e de
serem santificados por ela (João 17:17), porque de outra forma tudo estaria
perdido. Por isso Jesus orou por eles e não pelo mundo (João 17:6,9).
Sem negligenciar as massas
Apesar da dedicação aos apóstolos,
Jesus não ignorou as multidões. Jesus dava atenção a todos e curava suas
enfermidades (Mateus 12:15; 14:14), as ensinava, alimentava-as quando famintas,
expulsava os seus demônios. Sua dedicação chegou ao ponto de que Ele mesmo e
seus discípulos não tinham tempo nem para comer (Marcos 6:31). E este interesse
pelo povo ocorre desde o início de Seu ministério, quando Ele procurou se
envolver com o movimento popular de avivamento, mediante o batismo de
arrependimento liderado por João Batista (Marcos 1:9-11; Mateus 3:13-17; Lucas
3:21-22) e depois elogiou o trabalho deste profeta (Mateus 11:7-15; Lucas
7:24-28). Jesus amava as pessoas, chorava por elas e, finalmente, morreu para
salvá-las dos seus pecados. Jesus não negligenciou o evangelismo em massa.
Multidões despertas
A capacidade de Jesus impressionar as
multidões depois se revelou em um problema. Sua compaixão e poder conquistou as
multidões ao ponto de desejarem fazê-lo seu rei (João 6:15). Todos desejavam a
atenção dEle (João 3:26). Até os próprios fariseus admitiram que o mundo seguia
após Jesus (João 12:19), e os principais sacerdotes julgaram que logo a
população inteira creria nEle (João 11:47,48). E foi o temor das autoridades,
perante as massas que se mostravam simpatizantes de Jesus, que as levou a
levantar acusadores e capturá-lo na ausência do povo (Marcos 12:12; Mateus
21:26; Lucas 20:19).
Caso Jesus tivesse dado valor aos sentimentos das pessoas a Seu favor, facilmente poderia ter todos os reinos dos homens aos Seus pés, bastando apenas satisfazer os desejos e curiosidades dos homens por Seus poderes sobrenaturais. E essa foi a tentação proposta por satanás no deserto, quando Jesus foi tentado a transformar as pedras em pães (Mateus 4:1-7; Lucas 4:1-4; 9-13). Esses prodígios espetaculares teriam atraído a atenção das pessoas. E é verdade que a proposta de satanás em lhe dar os reinos do mundo era uma furada, pois Jesus podia conquistar isto sozinho, tão somente se desviando do Seu propósito original.
Mas Jesus não queria oferecer espetáculos. Antes muitas vezes se esquivou das multidões (João 2:23; 3:3; 6:26,27). Chegava ao ponto de dizer aos que recebiam a cura de que não contassem nada a ninguém, a fim de não chamar atenção (ex. Marcos 1:44,45). Em outros momentos, Jesus se retirava com os Seus discípulos para outro lugar, para dar continuação ao Seu ministério (veja João 1:29-43; Marcos 4:35). Esta prática deixava as pessoas confusas, por não entenderem a Sua estratégia. Até mesmo seus irmãos o exortaram a abandonar esta estratégia, mas Ele recusou seguir o conselho deles (João 7:2-9).
Poucos pareciam compreendê-lo
Naturalmente que muitos dentre as
multidões criam em Cristo (João 2:23-25; 6:30-60), mas muito poucos pareciam
ter compreendido o evangelho. Talvez ao final de seu ministério o total de Seus
seguidores chegasse a um pouco mais de 500, aos quais Jesus apareceu após a ressurreição
(1 Coríntios 15:6), ao fim que somente 120 permaneceram em Jerusalém para
receber a promessa do Espírito Santo (Atos 1:15). Se fôssemos medir em termos
de números, o evangelismo de Jesus parece não ter tudo tanto êxito, mas isto
não é verdade.
Sua estratégia
Mas porque Jesus se concentrou sua vida em poucas
pessoas? Não veio Ele salvar o mundo? Com o anúncio de João Batista sobre o
Messias (que ainda permanecia vivo na memória das multidões), Jesus poderia ter
contado com milhares de seguidores, caso desejasse. Então porque Ele não se
preocupou em criar um exército poderoso que conquistasse o mundo pela força
bruta da quantidade? Não parece um tanto desapontador o fato de que alguém,
dotado de todos os poderes do universo às Suas ordens, que viveu e morreu como
jamais alguém viveu e morreu para salvar o mundo, contudo, no fim de Sua vida
terrena contasse apenas com alguns poucos e assustados discípulos para
demonstrar como fruto de Seu trabalho? E conforme Isaías 53:11 diz-se que Ele
ficou satisfeito com o resultado de Seu trabalho!
A resposta a isto está no propósito real do Seu plano de evangelismo. Jesus não estava querendo impressionar multidões, mas sim em inaugurar o Seu Reino. Isso significava que Ele precisava de homens que pudessem conduzir as multidões. Que proveito teria para o Mestre se as multidões o seguissem para, em seguida, não contarem com a supervisão nem a instrução sobre o Caminho? Veja o que dizem estes preciosos versículos: Provérbios 11:14; 15:22; 24:6. É fato que as multidões são presa fácil dos deuses falsos, quando abandonadas sem o cuidado apropriado. As multidões eram como ovelhas que vagueavam sem rumo, sem qualquer pastor (Marcos 6:34; Mateus 9:36; 14:14). Essas multidões seguiam qualquer pessoa que prometesse bem-estar, sem se importarem se era um amigo ou inimigo. Dá para perceber isto quando foi a mesma multidão que aclamava “Hosana ao que vem em nome do Senhor” e depois “cruficia-o!”, pois eram manipuladas facilmente pelas autoridades religiosas. Estes líderes, espiritualmente cegos como eram (João 8:44; 9:39-41; 121:40; Mateus 23:1-39), embora em pequeno número, dominavam completamente todas as atividades populares. Por esse motivo se os convertidos ao Senhor Jesus não fossem dirigidos por homens de Deus, competentes para orientá-los e protegê-los da falsidade, em breve seriam vítimas da confusão e desespero por causa da confusão religiosa que existia no local e acabariam por ficarem num estado pior do que no princípio. Antes que o mundo possa ser ajudado, é necessário de homens de fé que conduzam as multidões através das coisas de Deus.
Jesus conhecia a natureza humana (João 2:24,25) e sabia que ela era depravada e débil, alvo fácil das forças satânicas deste mundo e, devido a este conhecimento, Ele baseou Seu evangelismo em um plano que pôde satisfazer a essa necessidade. As multidões estavam dispostas a segui-lo, porém Jesus como homem não poderia cuidar delas individualmente. Sua única esperança era preparar homens cheios da Sua vida e que fizessem isto por Ele. Por essa razão, Ele concentrou Seus esforços sobre aqueles que seriam os primeiros líderes de Seu Reino.
O princípio aplicado hoje em dia
Esse princípio, por mais
estranho que possa parecer, raramente é aplicado nos dias em que vivemos. A
maior parte dos esforços evangelísticos da Igreja começa com as multidões, sob
a suposição de que as igrejas locais estão preparadas para conservar qualquer
bem que se possa realizar. A ênfase fica sobre o número de convertidos, os
números de candidatos ao batismo e sobre a necessidade de mais membros nas
igrejas locais, havendo pouco ou nenhum interesse genuíno para com a
confirmação dessas almas no amor e no poder de Deus, e muito menos sobre a
preservação e continuidade da obra.
Partindo deste princípio do Senhor Jesus, o dever de um pastor, bem como a primeira preocupação de um evangelista é cuidar que desde o princípio seja lançado um alicerce sobre o qual possa ser erigido um ministério evangelístico eficaz e contínuo entre as multidões. Isso requer mais concentração de tempo e talentos sobre um menor número de homens, ao mesmo tempo em que não se negligencie a paixão pelas almas que estão no mundo. Há uma necessidade de treinar líderes “... para o desempenho do Seu serviço” (Efésios 4:12). A vitória jamais é conquistada pelas multidões.
Alguns podem questionar esta estratégia, dizendo que se está dando preferência para apenas uns poucos. Mas isto não importa, já que esta foi a forma que Jesus concentrou os Seus esforços e a Sua vida, e é uma medida necessária se alguma liderança permanente tiver de ser treinada. Quando isso é praticado por motivo de amor genuíno pela igreja toda, e quando há manifestação de interesse pelas necessidades do povo, estas intrigas podem ser resolvidas, ao se observar que a missão de salvação está sendo realizada. O obreiro em treinamento deve ter sempre esta meta consigo. Tudo quanto for feito com esses poucos obreiros deve visar a salvação de multidões.
Uma demonstração moderna
Este método funciona porque foi o
próprio Senhor quem o estabeleceu. E é um princípio universal – não importa
quem o pratique. Foi observado que os comunistas usaram deste método. Passaram
de um punhado de gente para uma vasta multidão de seguidores que escravizam
várias pessoas no mundo, num curto período de 75 anos. Os comunistas provaram
na prática que as multidões podem ser conquistadas facilmente, se houverem
líderes que elas sigam.
Tempo de agir
É necessário mudança. Nossos dias de
superficialidade devem chegar ao fim. O programa evangelístico da igreja tem
fracassado em quase todas as frentes. Em muitos países as igrejas locais não
conseguem acompanhar o crescimento populacional. Do outro lado as forças
satânicas vão se tornando mais incansáveis e abrasadas em seus ataques. E é um
paradoxo: numa época em que temos uma enorme facilidade de comunicação como
nunca antes aconteceu, estamos fazendo menos do que na época anterior à
invenção da carroça.
Outro problema é que, considerando as trágicas condições em que o mundo vive, muitos se tornam ansiosos e desesperados em fazer algo, procurando reverter essa tendência da noite para o dia. Em nossa preocupação de trazer mudanças, temos lançado um programa de emergência evangelística após o outro, a fim de alcançar as multidões com a salvadora Palavra de Deus. Porém, o que temos deixado de compreender, em nossa frustração, é que o problema real não está nas multidões – o que elas crêem, como elas são governadas, etc. Todas estas coisas que consideramos vitais são manipuladas por outros. Então antes que possamos dar uma solução à questão da exploração do povo, precisamos conquistar aqueles que o povo segue.
Dessa forma há prioridade para que se conquiste e treine aqueles que já se encontram em posições de responsabilidade, como líderes. Porém, se não tivermos líderes, devemos começar de onde estamos, treinando algumas pessoas humildes para que venham a ser os grandes. E aqui vai um lembrete: ninguém precisa ser considerado como importante no mundo, com algum tipo de prestígio para ser grandemente usado no Reino de Deus. Qualquer um que esteja disposto a seguir a Cristo pode tornar-se uma poderosa influência sobre o mundo, contanto que esta pessoa tenha um treinamento apropriado.
Devemos começar como Jesus fez. É certo que será um trabalho lento, doloroso e que provavelmente nem será notado pelos homens a princípio, mas o resultado final será glorioso, ainda que não vivamos o bastante para ver o resultado. O obreiro precisa decidir onde quer que seu ministério faça sentir os seus efeitos – no aplauso momentâneo do reconhecimento popular, ou na reprodução de sua vida em alguns poucos homens escolhidos, que deem prosseguimento ao trabalho.